30.11.08

O primeiro, grande, passo


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Seria uma missão impossível tentar descrever os sentimentos transversais que brotaram durante o primeiro encontro da futura associação/cooperativa de quadrinistas e animadores da Bahia. Por isso, tento falar de algumas das minhas sensações, esperando que tenha compartilhado da mesma experiência que os demais participantes.
Cheguei ansioso à LDM, atrasado, mas para minha sorte ainda se discutia sem começar a reunião. Havia caras conhecidas, algumas que eu tinha visto no Orkut, mas a impressão reinante foi de novidade. Falaram sobre três gerações presentes: os antigos, os intermediários e os novos; porém, as gerações eram pouco para definir as pessoas: os “antigos” rejuvenesciam ao falar dos quadrinhos – senti na pele essa vitalidade, por causa de uma livrada na cara, culpa do senhor Cedraz – e os “novos” traziam no sangue um conhecimento que atravessava sua própria carne juvenil.
Os corpos e mentes presentes convergiram. A constelação de artistas – sim, todos artistas – rapidamente se entendeu: “queremos ser lidos, queremos ganhar com nossas produções, queremos contribuir com esse ser que veneramos: a arte seqüencial”. E as estratégias, as vontades, fluíram. O encontro demonstrou que, com união, podemos chegar longe em algumas resoluções e sonhos. Ganharemos representatividade, disso estou certo, e alertaremos novas gerações para a existência das artes seqüenciais. Já é muito.
Concordo muito com a definição que o sublime é uma idéia macroscópica indecupável, violenta, arrebatadora. Passei minha infância em meio aos quadrinhos, assim como minha adolescência, no entanto distante de outros fãs como eu. Ainda não tinha visto pessoas respirarem a mesma arte seqüencial que respiro. Intrasponível para esse texto a enormidade de estruturas, feixes, átomos, sentimentos, espíritos e toda uma história, não só minha, mas de mais de 150 anos de quadrinhos. Toda a historicidade de uma paixão em pouco mais de 25 baianos (e um paulista, não esqueço!).
Sublimado, não a paixão, mas eu, perdi as energias e o jeito. Perdi o fôlego pra falar. Quis até mesmo ir embora. Senti uma pequeneza absurda, mas havia uma satisfação escondida por todas as camadas do meu desorganizado sentir.
Sinto que daqui para frente amadureceremos nossas propostas e parcerias serão estabelecidas. Em algum tempo, logo estaremos em condição de passarmos tardes discutindo nossos trabalhos inspirados na UQB (ou seja lá o nome que for assumido, que certamente será bem escolhido).
Os quadrinhos e a animação baiana podem não estar na mídia, mas possuem organicidade. Estão latejando, porque existem autores sorridentes, bem-humorados e interessados. E isso não passa despercebido pelo mundo. E estamos prontos para fazer barulho até formar uma onomatopéia gigante!

Nota sobre a diversidade de gêneros
Não havia mulheres. Senti falta da presença feminina – mesmo que a moça seja mais masculina do que feminina. Espero que moças apareçam. O grupo, pra ficar mais rico, precisa ter uma representação aberta e sujeitos de diferentes identidades sexuais, de classe, de gênero, etc. Identidades plurais, pois a arte não precisa ser engajada para ser arte, mas é inegável que seu estilo reingressa na sociedade – e esta retroalimenta o estilo. Chamem mulheres para o grupo, tenho certeza que as quadrinistas baianas existem.
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Marcelo Lima (marcelocaterpillar@gmail.com)


28.11.08

Bahia é berço de quadrinistas


Artistas baianos falam sobre processo criativo e a influência das raízes regionais em seus trabalhos*


A Bahia, especialmente Salvador, sempre teve bens culturais e artistas elogiados no Brasil e no exterior. É o caso dos tropicalistas, do João Gilberto precursor da Bossa Nova, do cineasta Glauber Rocha, pra citar alguns famosos. Para além da música e do cinema, também há expoentes no teatro, na literatura e na dança.

Menos reconhecido pelo público baiano, os quadrinistas do estado vêm conseguindo destaque com publicações de circulação nacional. Como muitos dos artistas baianos de sucesso, alguns deles reverenciam as raízes baianas em seu trabalho.


Antonio Cedraz é um desenhista veterano ganhador do Trófeu HQ Mix, uma espécie de Oscar dos quadrinhos nacionais, e é um dos poucos quadrinistas baianos que possui estúdio próprio e funcionários.

Apesar de ter tido experiências com diferentes publicações e personagens, é o seu personagem Xaxado, publicado em tirinhas e livros, que têm lhe proporcionado maior sucesso no Brasil e premiações. “"Xaxado pertencia a uma turminha de uma revista que eu fazia há muito tempo. Quando o Jornal A Tarde me pediu um personagem para o caderno Notícias, eu me lembrei dele e comecei a fazer a história acontecendo no Nordeste. Aí que ele começou a ter receptividade”, conta o autor.

As tirinhas do Xaxado sempre trazem temáticas ligadas ao cotidiano do sertanejo e traduzem a motivação do autor em retratar o cotidiano do sertão baiano. “Queria um personagem que fosse brasileiro. Como sou nordestino, quis valorizar a cultura daqui e contar histórias que aconteceram comigo, quando morava no interior”, afirma Cedraz, que utiliza suas memórias como principal fonte de inspiração para as histórias do personagem.

Outro autor baiano que investe em histórias em quadrinhos que tem a Bahia como cenário é Flávio Luiz. O cartunista e quadrinista também possui troféus HQ Mix em sua estante, além de premiações por seus cartuns. No dia 7 de outubro ele lançou em Salvador o álbum Aú, o Capoeirista, que narra as aventuras de um corajoso capoeirista no Pelourinho. No entanto, Flávio Luiz se preocupa mais em criar uma boa história do que falar de temas regionais. Como ele diz, “essa coisa de falar do traço baiano, do desenho baiano e do quadrinho baiano é uma preocupação menor diante de apresentar um trabalho que seja feito com profissionalismo. É desnecessário querer sempre enaltecer o nosso lugar de origem”. Para manter a qualidade e a inspiração, Flávio faz pesquisas detalhadas de cenários e personagens. Atualmente, Flávio está em turnê nacional com o álbum do personagem Aú.

Segundo Caó Cruz Alvez, cartunista e animador baiano, há um “lado universal da Bahia, que todos conhecem” e que ele coloca em seus trabalhos. Ele se refere a elementos como o Farol da Barra e a estátua de Castro Alves, que ele manipula em seus filmes de animação e cartuns para provocar humor. Caó foi o primeiro baiano a lançar um livro com quadrinhos, uma coletânea de tirinhas do seu personagem, O Porco com Cauda de Pavão, que era publicadas desde 1978. “Naquela época existia muita censura, sobretudo política. Depois de criar vários personagens que tiveram suas carreiras interrompidas pelo editor, me veio a idéia de criar um personagem meio bizarro, surrealista e que ninguém entendia, mas cheio de crítica a ditadura da época”, conta. As tirinhas de Caó fizeram muito sucesso e ele recebeu convites para publicá-las na França. Recentemente, o autor tem transposto as histórias em quadrinhos realizadas nos anos 70 e 80 para animação, preservando muitas nuances da linguagem quadrinista.


Wilton Bernardo, quadrinista baiano criador da Oficina HQ, crê que existe uma liberdade criativa muito forte tanto na Bahia quanto no Brasil. “Quando pensamos no mercado de quadrinhos do Japão, conseguimos imaginar as possibilidades estilísticas, digamos assim. Se pensamos em Brasil podemos até pensar que não existe um estilo tão expressivo, já que não temos uma linha tão unificadora, mas ao mesmo tempo, se prestarmos atenção aos nossos artistas, veremos tanta coisa diferente. Temos muitos talentos que fazem produções autorais”, comenta quando perguntando sobre os criadores locais. Wilton disse ter um projeto que envolve suas raízes baianas e que pretende lançar logo que possível.

Um veterano fanzineiro baiano, Marcos Franco, criou uma personagem bastante conhecida nos meios independentes dos quadrinhos: a super-heroína Penitência. Ela é natural de Cachoeira onde, quando era humana, enfrentava os latifundiários nos fins do século XIX. Após ser assassinada, retornou à vida como uma entidade mística para combater injustiças em solo baiano. O autor revela suas influências: “Eu sempre me inspiro e trabalho retratando aspectos do contexto político, histórico, geográfico, religioso e cultural do nosso país. Como sou baiano as influências do estado se tornam ainda mais evidentes”.

Assim como existem os autores que se aproximam de suas raízes, há os quadrinistas baianos que lutam por sua arte sem sair da Bahia, mas que não referenciam o estado nos quadrinhos feitos.

Naara Nascimento, estudante da Escola de Belas Artes da UFBa, declara "Não me prendo muito ao lugar que me cerca. Nunca pensei em nenhuma referência regional". Contrariando ainda mais o processo criativo da maioria dos autores baianos, ela diz que não costuma planejar roteiros ou quantificar as referências pesquisadas. “"A partir do tema eu começo a pensar sobre o que posso fazer. Depois, vou treinando o desenho até me aproximar da idéia que tive”. Naara tem seu trabalho em quadrinhos publicado na revista paulista Subversos e terá quadrinhos na revista Front.

Mais distante ainda de possíveis temas e de estilo regionais está o quadrinista feirense Antonio Jesus da Silva. Ele é um dos fundadores do Studio Fúria, que já tem dois títulos lançados de forma independente, e já viajou pra fora da Bahia para vender as revistas. Para Antonio, o mais importante em seus quadrinhos é ater-se “a aspectos humanos como as dúvidas e os desejos sentidos”, mesmo nos contextos das histórias de fantasia que ele cria, desenhados em estilo mangá.

Embora os quadrinhos baianos não sejam de uma tradição artística que possa ser definida, os autores baianos são cada vez mais respeitados pelo seu trabalho, principalmente fora da Bahia. Talvez, como os Doces Bárbaros, estes quadrinistas e outros que virão possam “preparar a invasão” da sétima arte baiana nos corações brasileiros.


*O presente texto não tem a pretensão de abordar todos os autores baianos, nem fatos e acontecimentos em ordem cronológica. Pedimos desculpas aos mestres não entrevistados.

Marcelo Lima e João Araújo

Contato: marcelocaterpillar@gmail.com

Para saber mais sobre os quadrinistas baianos, acessar os links:

http://www.projetocontinuum.com/2008/11/feras-da-hq-baiana-parte-1.html

http://www.projetocontinuum.com/2008/11/feras-da-hq-baiana-parte-2.html